Era janeiro de 2008 quando Sebastião Carlos dos Santos, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, conheceu o artista plástico Vik Muniz.
A impressão não foi das melhores. "O Vik explicou que a obra dele era quadro e não era quadro, era foto e não era foto. Parecia que falava javanês", contou Tião, como é conhecido.
Muniz chegara ao aterro --que recebe todo o lixo descartado na cidade do Rio de Janeiro-- com um objetivo triplo: montar uma série de quadros a partir dos dejetos, colocar os catadores para trabalhar no feitio dos quadros e, jogada de mestre, filmar tudo, para o documentário "Lixo Extraordinário", que estreia nesta sexta.
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Catador Sebastião Carlos dos Santos posa como Marat para o artista plástico Vik Muniz |
O filme foi dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley. Venceu como melhor documentário do Festival de Berlim, em 2010.
Após dois meses retratando o aterro sanitário, Muniz contratou cerca de dez catadores para montar as imagens, num galpão em Parada de Lucas, subúrbio carioca. "Pagava R$ 75 por dia, igual ao que receberiam com o lixo", contou. O meio de campo era feito por Tião Santos. "Ele é o embaixador de Gramacho", explicou Muniz.
Tião começou a frequentar o aterro na infância, quando o pai, estivador, teve o trabalho substituído pelo de guindastes que chegavam ao porto do Rio. "Minha família se viu obrigada a ir para o lixão, que era perto de casa", contou. Aos 8 anos, levava comida à mãe e dois irmãos, que trabalhavam no aterro. "Não me deixavam catar. Eu ficava brincado com os outros meninos", lembra.
MAQUIAVÉLICO
Aos 18 anos, após um hiato de três anos distante, resolveu voltar a Gramacho, para trabalhar em uma cooperativa que recebia o material coletado. Nas noites de sábado, quando não estudava, ia para o aterro "dar um complemento na renda".
Numa incursão noturna, encontrou "O Príncipe", de Maquiavel. "Eu conhecia a palavra 'maquiavélico'. Me deu uma neurose de ler aquilo. Levei pra casa, sequei atrás da geladeira e, partir daí, passei a pegar todo livro que encontrava." Já leu Schopenhauer e Nietzsche, que encontrou no lixo.
Em 2007, dois anos após comandar um protesto contra a prefeitura, foi eleito presidente da Associação dos Catadores. "Logo depois, me ligaram para dizer que um artista brasileiro queria fazer um trabalho com a gente."
Tião diz que, em princípio, não seria fotografado. "Meu trabalho era acompanhar o Vik no aterro, para apresentá-lo aos catadores." Isso até o dia em que Zumbi, seu amigo, surgiu do lixo, carregando uma banheira. "O Vik teve um estalo e disse, na hora: 'Vamos fazer o Tião de Marat? Ele morreu no banho'." Após ouvir que Jean-Paul Marat (1743-1793) havia sido um dos líderes da Revolução Francesa, Tião sentenciou: "Combina comigo".
O quadro foi vendido em 2009, num leilão da Phillips de Pury, em Londres, por 28 mil libras (R$ 74 mil). O dinheiro foi revertido para a Associação. Tião diz que, mais do que o dinheiro, o retorno profissional foi positivo. "Hoje vou receber a visita de 21 alunos de uma universidade de Nova York que viram o documentário. Daqui a três dias, tenho um encontro no BNDES, para falar sobre o futuro do aterro, que deve ser desativado em 2012."
Conta que a amizade com Vik Muniz permanece: "Outro dia a gente se encontrou, no aniversário da filha dele. Às vezes, fico pensando quando vai dar meia-noite, e a carruagem vai voltar a ser abóbora. Mas não dá. Já faz três anos que esse meu conto de fadas não termina".
Fonte http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/860921-catador-alcanca-fama-apos-conhecer-vik-muniz-em-trabalho-que-virou-filme.shtml
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